[Photo by plau bleu 2012]
"Nestas noites de novembro, tenho dezasseis anos outra vez. Está a
temperatura dessa idade e penso apenas em ti. O teu rosto surge nas
superfícies opacas, sobretudo no escuro dos caminhos que uso para chegar
à tua casa. A noite é tão respirável. Há um silêncio ameno pousado até
nos ruídos mais bruscos. Tudo faz parte de um plano que não pode falhar
porque tu és uma certeza. Estás à minha espera, eu sei.
Então, como hoje, vejo o teu rosto à janela. Enquanto desces, há um
instante inteiro. Também nesse tempo, embora breve, tenho dezasseis
anos. E fico mais sensível aos pequenos segredos que a cidade repete lá
longe. Já transformados em brisa, tocam-me na pele. Distingo-lhes ainda
uma réstia da sua forma, das suas arestas. Também a minha pele está mais
sensível, prepara-se para a imagem do teu rosto.
Quando chegas à porta, salvas-me de qualquer coisa que, acredito
nesse momento, estava quase a afundar-se em mim. O teu olhar acerta no
meu e o tempo serve para contar a velocidade a que nos aproximamos. Os
teus lábios levam-te. Durante esse primeiro beijo, a cidade inteira
desaparece à nossa volta. Existe a noite, continua a existir.
Temos sede. Ainda não dissemos uma palavra e, no entanto, sabemos que
a maneira como os nossos corpos se agarram, apertados pelos nossos
braços, é a tradução literal daquilo que nos faltou durante todo o dia.
Sem darmos conta, espalhámos essa saudade por Lisboa."
José Luís Peixoto
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