domingo, 14 de outubro de 2012

O ESPAÇO ENTRE AS COISAS


[Photo by plau bleu 2012]

 
"Se não houvesse qualquer impedimento inesperado ele visitava-a uma vez por mês. De Lisboa a Barcelona é um pulo de uma hora e um quarto. Ela esperava-o, muito esguia e direita, do lado esquerdo da saída do aeroporto. Os lábios dela, frutos vermelhos, eram um sorriso que se alcançava de longe e não tinha fim. Ele avançava para ela, os olhos enevoados de desejo, com uma ligeira mala a tira colo. Era extraordinário aquele percurso que o levava a ela, e ele fazia-o devagar, demorando os passos, para melhor poder sentir a distância, o sabor antecipado da pele. Depois o estreito abraço e o voltar a olharem-se nos olhos fixamente para se assegurarem que ainda eram eles mesmos. Procuravam não pronunciar qualquer palavra até ser inevitável porque ambos apreciavam alargar aquele estado intermédio, antes e depois do desejo completado. Falar sempre enfraquece o espírito, em particular a memória e a imaginação, misturando-o com as coisas do mundo, e para o amor não há palavras que cheguem. Por isso mantinham aquele silêncio enquanto apertavam as mãos com força olhando em frente dentro do táxi que os conduzia à parte velha da cidade. A subtil e erótica sensação de estarem tão próximos e ainda não o estarem. Depois despiam-se lentamente um ao outro no quarto branco onde só havia uma cama macia e mais nada a não ser a janela verde de estores corridos para conservar o ar fresco. Nenhum deles poderá esquecer aquela luz filtrada que os envolvia protegendo-os de todas as preocupações, deveres, arrelias. Como ele adorava os seus seios leves, as ancas altas, as pernas infinitas e os pés de uma beleza que apelidava, sem razão, egípcia. Ficavam muito tempo assim deitados nus sobre os lençóis a olharem-se de novo fixamente nos olhos, desacreditando de tudo. O grande teatro do mundo bem podia esperar lá fora."
Pedro Paixão
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