quarta-feira, 10 de outubro de 2012

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"A sua vida parece-lhe a de uma outra pessoa. Talvez seja isso. Não poder reconhecer-se por completo no que faz, diz, deseja. Uma crescente discrepância. Uma diminuta, mas perceptível, perda de nitidez nos contornos. Como se a sua verdadeira vida se tivesse despegado da vida que leva e, com o tempo, a distância entre elas fosse aumentando e a reconciliação se tornasse cada vez mais improvável. Uma pessoa não é quem quer ser, não faz o que gostava mais do que tudo fazer, não dita a vida que a leva consigo. Talvez seja isso. O que acontece desde sempre quase sempre a qualquer um. Salvo nos momentos de paixão em que vivemos a tremenda certeza de estarmos a ser quem somos. Não é preciso que seja uma pessoa. A sua última paixão chama-se Cate Blanchet. Uma actriz de cinema australiana. Uma actriz não é bem uma pessoa. Não é forçada a ser sempre uma mesma pessoa. Muda de pessoa. Tudo lhe pode acontecer. Muito diferente da habitual ansiedade de não saber se algo vai ou não acontecer. A paixão é um engano em que nos queremos enganar mais do que tudo.  Uma partida pregada pela vida que depois nos reconduz ao lugar quotidiano ao qual pertencemos e nos vai construindo e desfazendo. Dia a dia, todos os dias. O castigo de ter querido ser mais do que se é. Do que se pode. Ela pensa várias vezes em coisas deste tipo. Coisas que apelida do tipo inútil. Que não parecem ajudar. Sem aprofundar muito. Com receio de pensar demais nisso e ficar retida algures numa dúvida cheia de perigos. Põe-se a brincar com o cão. Vai lavar a loiça. Sai para a rua onde se cruzam caras e corpos sempre diferentes, embora nunca demasiado diferentes, nascidos de uma fonte inesgotável."
Pedro Paixão

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